Ouvir o desejo
do aluno: uma proposta radical para a educação brasileira
O programa Quem Lê Jornal Sabe Mais, dos jornais
OGlobo e Extra (RJ) entrevistou o professor doutor Reuber Scofano, da área de
Filosofia da Educação, da UFRJ, sobre a experiência da Escola da Ponte, de
Portugal, na educação brasileira.
Giselle Oliveira
A escola brasileira, em geral, parece seguir sempre um mesmo padrão. Por
aqui, são raras as vezes em que aparece uma proposta radical para a modificação
da relação ensino-aprendizagem existente. Contudo, de nossos patrícios
portugueses nos chegam novas sobre uma experiência que tem contribuído
positivamente para a área educativa por lá e influenciado outras em diversos
países. Há mais de vinte anos, a Escola da Ponte, instituição pública
localizada a 30 km da cidade do Porto, trabalha não com um currículo escolar
pré-fixado, rígido, mas exercita democraticamente sua capacidade de escutar o
desejo e a vontade do estudante naquilo que gostaria de aprender. Será que a
prática da Escola da Ponte pode contribuir para que transformemos algo na educação brasileira? O
professor-doutor Reuber Scofano, da área de Filosofia da Educação da UFRJ,
responde essa e outras questões relativas ao processo educativo no Brasil.
QUEM LÊ: Em uma visão rápida, qual é o
panorama da educação brasileira hoje?
PROFESSOR REUBER: A escola no Brasil vive uma experiência de educação partida. As particulares estão preocupadas com a preparação para o vestibular. As públicas municipais, divididas em ciclos, apresentam uma realidade bastante confusa e um rendimento escolar contestável. Entretanto, talvez estejamos em um momento interessante, apropriado para a discussão sobre outros modelos de escola.
QUEM LÊ: A experiência da Escola da Ponte nos mostra que educar é um
processo que vai além de aprender as letras. O que complementa esse
processo? PROFESSOR REUBER: A escola no Brasil vive uma experiência de educação partida. As particulares estão preocupadas com a preparação para o vestibular. As públicas municipais, divididas em ciclos, apresentam uma realidade bastante confusa e um rendimento escolar contestável. Entretanto, talvez estejamos em um momento interessante, apropriado para a discussão sobre outros modelos de escola.
PROFESSOR REUBER: A criação de espaços
auxiliares na escola onde o aluno possa pesquisar aquilo que mais o atrai.
Trabalhar com a demanda do desejo modifica a atitude do estudante. Ele fica
mais interessado e deseja avançar, progredir. Nessa escola, claro que também o
professor desenvolve sua atividade com mais motivação. A idéia
da prova, para muitos, garante que o aluno estude, obriga-o a estudar. É o que
Paulo Freire chama de "pedagogia bancária". Ele estuda sim, para a
prova, e não para aprender.
QUEM LÊ: A Escola da Ponte é uma
instituição pública e teve autonomia para fazer uma transformação radical em
seu programa de ensino. Isso seria possível com a estrutura educacional que o Brasil
possui?
PROFESSOR REUBER: Para as escolas
particulares, pesa muito a questão financeira quando se quer investir em uma
estrutura alternativa. Talvez para as escolas do governo fosse mais fácil à
medida que possuem mais liberdade para definir atividades curriculares e
extra-curriculares.
QUEM LÊ: Quais projetos de ensino
desenvolvidos por lá poderiam contribuir para a melhoria de nossas escolas?
PROFESSOR REUBER: Ouvir do aluno
aquilo que mais o interessa aprender; dar voz aos estudantes para que discutam
questões sobre a convivência entre eles e que tenham força junto à direção; a
liberdade para que falem exige também professores preparados às críticas;
alunos mais velhos ou que possuem maior conhecimento em determinada área
oferecem ajuda àqueles que precisam aprender melhor um assunto.
QUEM LÊ: Deveríamos ter uma Escola da
Ponte por aqui ou precisamos somente que novos modelos sejam propostos?
PROFESSOR REUBER: O modelo que temos hoje está
esgotado. Alguns afirmam que a Ponte não prepara o aluno para o mercado. A
nossa escola também não. No máximo, prepara para o vestibular. Estão surgindo
novas carreiras, novas formas de trabalho. Temos que encontrar um outro modelo
de ensino. Precisamos revisar nosso currículo escolar. Há matérias com cargas
horárias muito grandes e que pouco servem para o educando. Muitos conteúdos
bons estão fora como antropologia, educação
ambiental, teatro, música, educação sexual e ética. Mas as mudanças já começam
a aparecer. Uma indicação é que o vestibular está mais inteligente. Só o fato
de algumas universidades incluírem Filosofia em suas provas fez com que as
escolas se organizassem para que a disciplina estivesse também em seus
currículos. As transformações, talvez, não precisem partir do governo e comecem
com uma reformulação das provas de ingresso no ensino superior.
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