DOS LIVROS PARA A VIDA
Entrevista com o escritor e
dramaturgo Walcir Carrasco que acredita que a literatura pode combater o
bullying e elevar a autoestima das crianças.
Como a literatura infantil pode ajudar a aumentar a autoestima das
crianças?
Walcyr Carrasco – Acredito que a
literatura infantil contribua para aumentar a autoestima das crianças de duas
formas: primeiro a partir de uma condição íntima, em que a criança se relaciona
com a história e com os personagens e absorve a experiência retratada. A partir
daí, tira suas próprias conclusões e cresce interiormente. Em segundo lugar,
temas ricos proporcionam debates ricos, não somente orientados pelo professor,
mas também entre os alunos, que compartilham a história narrada no livro.
Acredito que seja o caso de Laís, a Fofinha, pois a questão do ser ou não gordo
e da forma física ideal hoje é uma preocupação de todas as idades, e a criança
considerada acima do peso frequentemente sofre bulying. A discussão do tema
pode evitar o bulying.
Como os livros podem conscientizar as crianças desde cedo sobre bullying
ou problemas da obesidade?
Walcyr Carrasco – À medida que a
história é debatida, conceitos e valores são revistos. Hoje em dia muitas
crianças são submetidas pela mídia e até pela própria família a padrões
estéticos que, de fato, pouquíssimas pessoas atingem. Essa cobrança
generalizada também se expressa por meio de agressões a colegas que são vistos
como obesos. A criança obesa acaba se retraindo, achando que é
"errada". O fato de um livro propor a discussão aberta e mostrar que
esses padrões nem sempre são os desejados pela mídia pode ajudar a reconstrução
de valores.
Como os professores devem agir ao perceber um caso de bullying ou de
baixa autoestima nos alunos?
Walcyr Carrasco – Acredito que o professor deva
agir com sutileza, propondo a discussão dos temas e valorizando pessoas de
sucesso que não correspondem a padrões. Nesse sentido a literatura ajuda muito,
pois funciona como ponte para abrir a discussão em cima de temas polêmicos. A criança com
baixa autoestima deve ser valorizada de alguma maneira. O professor pode buscar
os aspectos em que ela é mais positiva e estimulá-los. O fundamental é mostrar
aos alunos por meio da Literatura, de discussões em classe e trabalhos
escolares que a diferença é essencial, e não um problema.
Como conversar com os alunos após grandes tragédias em escolas, como os
crimes ocorridos em abril no Rio de Janeiro? A literatura infantil pode ajudar
nesses casos também?
Walcyr Carrasco – Lidar com tragédias sempre é
difícil. A literatura ajuda até porque os contos de fadas tradicionais falam da
violência de uma forma alegórica, que torna mais fácil ao aluno compreender.
Mas é preciso ser claro em relação a valores e buscar formas de expressão, em
que as crianças possam, pintando, desenhando, escrevendo, fazendo música,
"soltar" a agressividade sem prejudicar o próximo. Mas não sou
otimista. Minha convivência com uma psiquiatra especializada em psicopatas me
diz que a psicose não tem cura. Começa a se evidenciar na infância e é muito
difícil lidar com isso, quando o problema é realmente uma doença mental.
O livro foi lançado como parte do projeto cultural Lê Pra Mim? Qual a
importância de pais e professores lerem para os alunos ainda não alfabetizados?
Walcyr Carrasco – Fundamental! É uma
oportunidade para a criança conviver com a literatura desde cedo. E mesmo já
alfabetizada, de sentir a literatura como uma forma de compartilhar
experiências. Além de tudo, ouvir uma história é sempre agradável, e as
crianças devem entender a literatura como algo prazeroso e não como obrigação.
Como os livros podem competir com outras formas de entretenimento, como a
televisão, o videogame e a internet?
Walcyr Carrasco – Nunca vi problema nesse
sentindo. Não há uma competição. Cada um tem seu fator de atração. Os livros
muitas vezes perdem espaço simplesmente porque são apresentados como algo
obrigatório. Não se dá à criança o espaço para viver uma experiência agradável,
já que o livro muitas vezes está vinculado a trabalhos escolares, a avaliações, enquanto os outros meios
são simplesmente lazer. Quanto mais a criança sentir que o livro é uma
experiência de prazer, mais vai gostar de ler.
"O fundamental é mostrar aos alunos por meio da literatura, de
discussões em classe e trabalhos escolares que a diferença é essencial, e não
um problema."
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